Aspirante a subcelebridade
Como o "tarifaço" me colocou em rede nacional e na sala com o vice-presidente. E o que isso diz sobre a separação entre vida pública e privada
Era uma quarta-feira como outra qualquer quando, do aeroporto de Brasília, soube do tarifaço imposto pelo governo americano ao Brasil. Meus planos eram simples: voltar para São Paulo e aproveitar, ao menos, a última semana de julho em férias com a família. Mas o que ganhei foi mais um perrengue chique com participação no Jornal Nacional, Fantástico e tantos outros telejornais.
Isso sem falar da coletiva de imprensa ao lado do vice-presidente da República, transmitida ao vivo por diferentes canais de notícia, o que me tornou, lamentavelmente, um aspirante a subcelebridade.
Explico.
Um exemplo aconteceu no fim de semana passado. Havia uns dias que eu não encontrava meu vizinho, um cara muito legal, diga-se. Eis que, quando eu entrava em casa, ele, ao lado da esposa, me abordou:
— Foi você que apareceu no Fantástico, né? (empolgado)
— Sim, fui eu… (constrangido)
— Caraca, parabéns! (sinceramente feliz)
— Obrigado, mas poderia ter sido por um motivo melhor… (sem graça)
Minha filha, Júlia, de 11 anos, que estava comigo e minha esposa, ficou toda orgulhosa:
— Ele te reconheceu da TV, papai? (impressionada)
— Sim, amor. Ele viu a reportagem do Fantástico. (sóbrio)
— Nossa, que legal, né? (empolgada)
— Muito, minha gatinha. (como eu a chamo)
Obviamente, todo pai se sente orgulhoso em ser o herói para os filhos, mas não nego certo desconforto com esse tipo de situação. Embora minha vida profissional seja, de certa forma, pública, sou bastante discreto em relação à minha vida privada. Minha única rede social aberta é o LinkedIn e, obviamente, não há nada de pessoal por lá.
Acho interessante a associação que as pessoas fazem entre aparecer na TV e sucesso na vida, mesmo que o motivo não seja exatamente para comemoração — como foi o caso, diga-se.
Mas se tem algo de útil para tirar dessa história, eu diria o seguinte: o segredo oculto não é a aparição pública, mas o efeito que ela causa sobre a discussão.
Calma lá que eu explico.
O mundo da defesa de interesse é pautado pelo debate público. Isso significa que a opinião pública é muito importante para direcionar políticas públicas. Assim, quando as discussões chegam às ruas, elas acontecem em duas grandes arenas:
Imprensa
Redes sociais
O autor americano Ryan Holiday, que escreveu o sugestivo livro Acredite, estou mentindo, faz uma reflexão interessante. Segundo ele, “governos são sensíveis à opinião pública; a opinião pública é sensível à mídia; logo, quem controla o debate na mídia controla a discussão com governos”.
Embora essa seja apenas uma simplificação, o sucesso não está na aparição em si, mas sim no fato de que aquela exposição chancela a relevância do seu assunto. Isso porque a busca da audiência nada mais é do que a busca do interesse público.
Entende a relação?
Em outras palavras: a exposição ao escrutínio público em rede nacional valida a relevância do assunto, não da pessoa. Essa é a grande diferença entre a importância do mensageiro e da mensagem.
O mensageiro só é relevante se entregar a mensagem. Caso contrário, não há aparição na TV que resolva o problema.
Ficam apenas os comentários dos amigos, o orgulho da filha e um trabalho mal feito.
Que texto sensacional e que grata surpresa te descobrir aqui nessa rede. Fico impressionada como alguns segmentos da sociedade ainda ignoram a importância de pautar o debate público. Na política, por exemplo, atribuo o crescimento de determinadas figuras ao domínio que exercem nessa arena, dada a escassez de outros predicados. No caso do “tarifaço”, tenho medo que você talvez esteja diante uma guerra inglória. Não sei dizer se o Fantástico é suficiente para vencer a batalha, mas certamente não atrapalha - e ainda ganha uns pontos com a filhota. Well done! 👏🏻
É um trabalho muito sensível, exige muito conhecimento e experiência, e vc tem desempenhado com excelência. Aparecer no Fantástico não é para qq um!