Mocinhos e vilões na novela da vida real
Porque, no fim das contas, todo herói pode ser o vilão de alguém
Se a arte imita a vida, e a cultura expressa a contemporaneidade, as novelas sempre foram — para mim — um paradoxo difícil de entender. Imperfeitos que somos, complexos em nossa própria existência, transitamos entre finas camadas da humanidade. Não duvido da maldade, e embora tenha conhecido gente que gostaria de esquecer, cada um, em seu cada qual, carrega alguma virtude.
É isso que sempre me incomodou nos folhetins: a mais plena incapacidade de captar a essência de que todos somos — de certa forma — Deus e o Diabo. O que muda é a perspectiva de quem olha. Vítima ou algoz, a depender do lugar que se apresenta.
Aos poucos, o mundo se torna mais e mais unidimensional, e perdemos a perspicácia de entender nuances. Sem espaço para o meio-tom e a meia-luz, vivemos em tempos em que tudo o que não é luz imediatamente se converte em trevas.
Ironicamente, seguimos cercados de personagens que, se de romance fossem, revelariam múltiplos Cavaleiros da Triste Figura a se lançar contra moinhos de vento — sem perceber que cada cavaleiro é, para o outro, o seu próprio moinho.
Transformamos a todos em figuras de um enredo confuso que, a depender de quem assiste, inverte-se vilão e mocinho, mocinho e vilão.
Assistimos, ao mesmo tempo, duas novelas em uma só história — compreendidas de forma completamente oposta, a depender dos olhos de quem a vê.
A vida, contudo, imita a arte. Seguimos na dura tratativa de tentarmos ser protagonistas de nossa própria história, seja como mocinhos ou vilões. Afinal, a definição do bem e do mal não depende mais da intenção, mas da interpretação e do lugar de quem assiste.
E isso pode sempre mudar. A cada cena, dos próximos capítulos.
Gostei muito. Continue escrevendo e tocando a alma de quem lê. Parabéns pela profundidade interpretativa e pela simplicidade das letras. Arrasou.
Somos todos bom atores... ou não!