Uma conversa minha comigo mesmo
O que você diria caso fosse possível ter uma conversa com seu ‘eu’ de 20 anos
Se você me conhece, sabe que meu (diferente) nome é Ibiapaba. Mas talvez não saiba que, para a minha família e amigos de infância, eu sou o Bicó. E antes que você se pergunte por que, raios, meu apelido seria Bicó, tendo a acreditar que se trata de providência divina.
Poderia ser bem pior.
Meu avô, pai do meu pai, o “Ibiapaba original”, me chamava de Bizoca. Puta que pariu, Bizoca! Isso não é apelido, mas karma. Felizmente, por mais sorte do que juízo, como eu não conseguia falar nem Ibiapaba, nem Bizoca, fiquei mesmo com Bicó.
E colou.
Afinal, se é pra ter apelido ruim, que seja eu o culpado.
O mais interessante é que há uma grande diferença entre o Ibiapaba e o Bicó. Embora o nome da certidão de nascimento tenha vindo antes, ele se tornou parte da minha “identidade” muito mais tarde, por volta dos 21 anos, quando assinei minha primeira matéria: Ibiapaba Netto.
Me lembro até hoje da primeira reportagem que assinei no Estadão. Pensei: "A pessoa pra assinar com um nome desse ou é muito foda ou sem noção”. Me julguem!
Acho que esse deve ser um dos poucos casos em que o “alter ego” da pessoa é ela mesma. É meio que a banana comendo o macaco, não?
Mas o fato é que, aos poucos, conforme fui amadurecendo profissionalmente, o Bicó ficou circunscrito a um pequeno grupo de amigos e familiares, e o tal do Ibiapaba Netto fez o seu caminho.
E atenção, caro leitor, cara leitora: não estou falando de mim mesmo na terceira pessoa. É apenas uma forma de dividir fases da vida e tentar fazer um texto bacana.
Mas o ponto é: se somos aquilo que sonhamos, Ibiapaba e Bicó não são a mesma pessoa.
Explico.
Durante boa parte da minha infância e quase toda a adolescência, meu sonho era conhecer o mundo a trabalho. Até porque, como não sou herdeiro, tenho que ralar, e sempre me pareceu honesta a possibilidade de que minha profissão, fosse qual fosse, viabilizasse esse sonho.
Eu entendia que o veículo que me levaria a isso seria o esporte que pratiquei a partir dos oito anos, no embalo de minha irmã, e entre 12 e 20 com seriedade, dedicação e alguns resultados.
Para mim, naquele tempo, o esporte seria o cavalo a me levar para esses lugares. O problema é que, aos poucos, percebi que eu gostava mais do sonho do que do esporte. Em outras palavras, eu era apaixonado pelo conceito de uma vida internacional, de viagens, de fazer parte de algo relevante.
O esporte, muitas vezes, oferece essa imagem glamourizada de uma vida fora dos padrões. Contudo, a exemplo da vida das modelos, é um caminho de muito sacrifício e de uma resiliência que tem de estar ligada a uma fé inabalável de que aquele é o sonho a ser buscado.
Em determinado ponto, essa perspectiva parecia brutal, sufocante.
O fato é que fui parando aos poucos, como um relacionamento que se desgasta e, quando se vê, acabou. Não houve anúncio, não houve despedida. Apenas a poeira se acumulou sobre a bancada de medalhas e troféus que existia na casa dos meus pais, que hoje abriga outros tipos de lembranças com fotos de família.
E aquilo foi um grande alívio, porque eu estava, finalmente, livre para sonhar os sonhos do meu novo eu, a versão adulta, enquanto cursava a faculdade de jornalismo. Os sonhos do Ibiapaba Netto, um aspirante a alguma coisa, cheio de espinhas na cara e a silhueta que lembrava a bandeira de um pirata.
Era o pano e a caveira.
E valeu muito a pena deixar para trás os velhos sonhos e apostar nos novos. Não foi fácil, mas bem ou mal, profissionalmente, conheci diferentes países, visitei lugares exóticos em que nunca pensei em estar nem como esportista. Acima de tudo, tenho uma família linda que me realiza de uma forma que eu nem sonhava ser possível, numa das coisas de que mais me orgulho em ser: pai.
Hoje, brinco que sou rico de aluguel. Afinal, viajo a trabalho de classe executiva, circulo em ambientes extremamente exclusivos, em meio aos bastidores do poder, e ainda sou bem pago por isso ao ser representante de um importante e pujante setor do agro brasileiro. E mesmo com muita água ainda por passar debaixo da ponte, dois filhos para criar e muitos boletos para pagar, eu penso em como seria encontrar com aquele Bicó, de 20 anos de idade, com um sonho na cabeça e medo — e talvez até culpa — de deixar para trás o que não mais lhe cabia.
E graças à IA coloque “nós dois juntos”para dar mais veracidade ao diálogo, bastante verossímil, que vai na sequência!
— Fala aí, moleque?
— Quem é você, tio?
— Tio é o cacete, eu sou você no futuro, não tá vendo não, porra?
— Táporra, e essa barriga? Cadê o nosso cabelo?
— Cala a boca e me ouve. Fica tranquilo. Vai dar tudo certo. Pelo menos até agora está dando. Você vai fazer muita bobagem, algumas escolhas duvidosas, mas no fim vai rir delas.
— Eu virei coach? Por que a gente tá usando esse terno? E essa gravata laranja? Porra, por que a gente usa gravata?
— Cala a boca. Me ouve. Não se sinta mal. Não é fácil deixar para trás tudo aquilo que te define como pessoa. Hoje o seu esporte representa mais de 50% do seu tempo de vida, o que parece muito. No futuro, vai ser apenas uma pequena fase. Siga em frente, tome as suas decisões e fique em paz com elas.
— E quem você pensa que é, ou que sou, enfim, pra falar isso?
— Eu sou “Ibiapaba Netto”. Mas pra você, sou só o Bicó.
— Quando as espinhas vão sumir?



Valeu, maninha! Havia um tempo eu queria escrever essa crônica e com os recursos de IA, que permitem essas montagens, pensei: Por que não?! Bjus!
Eu adorei esse texto!!! Que orgulho do Bicó, por tido a coragem de fazer as suas próprias escolhas, e do Ibiapaba Netto por não ter desperdiçado os cavalos que passaram selados pela vida!!